topo
linha2

Fotogaleria

 
» Home » Crónicas e Artigos »  Carta de Lisboa - Amigo José Feijoco

 

Carta de Lisboa - Amigo José Feijoco

 

Há dias, sentados à mesa, celebrando a abundante colheita das tuas vindimas, falávamos da crise que parece não afetar muita gente, lá para as nossas bandas. No meio de um sucolento caldo de peixe, cozinhado pelo teu genro, com o coração no mar mas emprego em terra, trocámos impressões sobre o modo melhor de tratar das vinhas e das figueiras e delas tirar algum proveito para as labutas e canseiras que sempre trazem, muito mais agora que os anos vão pesando e « os cabelos branqueando »...
Valem, na apanha das uvas, os amigos que sempre se chegam para ajudarem-se uns aos outros – hoje para aqui, amanhã para ali, sempre numa roda viva por esses campos cada vez mais incultos, enchendo-se de faias e de incensos, que já não há quem os trabalhe.
Na cozinha da tua adega onde a tua filha, pintora de profissão, fez a sua residência – « tenho casa bastante p'ra mim, vou gastar o dinheiro a passear » - montaste uma mesa grande e farta. Só faltou uma viola e um bandolim para puxar a chamarrita, pois a tua voz forte, educada na capela do Pe Francisco, daria o mote para levar senhoras e homens, meio aviados pelo teu bom vinho de cheiro, ao meio da sala.
A festa, por isso, acabou mais cedo.
No outro dia tive de rumar para Lisboa, capital de um cada vez mais pequeno império sem terras, nem ouro, nem especiarias, que o fausto dos reis da quarta dinastia desbarataram construindo palácios para manter os vassalos na dependência dos poderes autoritários.
Mas não se ficou por aí o esbanjamento de riquezas que o país arrecadou ao longo dos séculos. Alguns países estranjeiros, ditos amigos ou a nós ligados por velhas alianças, foram autenticos sanguessugas da fazenda nacional. Nesse lote não esquecemos a Grã-Bratanha que, por via do apoio militar às invasões francesas, impôs a D.João VI, então no Brasil, o General Beresford para comandar os destinos da nação, sem apelo nem agravo do exército e das indústrias portuguesas.
Ali próximo, está a estátua do Marquês de Pombal, construída pelo escultor republicano Francisco dos Santos (1878-1930). A ele foi também encomendada a escultura representativa da República, colocada no átrio da Assembleia. 
Pombal, do seu imponente pedestal, observa a cidade que ele arquitetonicamente renovou, após o grande terramoto de 1755.
Sebastião José de Carvalho e Melo, Secretário de Estado do Reino ao tempo de D.José, costuma ser acusado pela expulsão dos jesuítas, mas esta decisão controversa e, talvez, condenável, subestima decisões importantes sobre o incremento da indústria portuguesa, atrofiada pela importação de produtos estrangeiros.
Pela Praça do Marquês, passa o vai-vem da cidade, num bulício interminável que só a contestação popular consegue sossegar, de tempos a tempos e em circunstâncias de crise como esta.
No primeiro do mês e mais uma vez, desfilaram por aqui milhares e milhares de manifestantes, protestando contra medidas impostas pelos  senhores do poder e do dinheiro que - dizem - nos conduzirão a dias melhores.

Caro José Feijoco:

Tu que foste habituado desde menino ao trabalho duro dos campos que não dá tréguas aos que acreditam que « quem quer tem », já por aqui andaste.
Ingressaste na Guarda Fiscal, num quartel de uma cidade distante de movimentações populares, ainda no tempo da outra senhora, quando os servidores do estado eram obrigados a professar a sua fidelidade ao regime do Estado Novo que, invocando a segurança nacional, praticava a repressão de direitos e liberdades que a Constituição de 1933 sonegava.
Não se diga que, então, os trabalhadores não produziam, com o melhor do seu esforço e dedicação. Mas não chegava. Os salários, muito lentamente, subiam e isso obrigou muitos milhares a partirem, clandestinamente. De alguns soubeste que fugiram, mas seria desumano não fechar os olhos, tais as dificuldades familiares.
Mais tarde, também largaste a Guarda para teres um futuro melhor para os teus.
As crises económicas e sociais são cíclicas e é contra as penalizações sobre os mais fracos que milhares e milhares de pessoas fizeram ouvir os seus brados, junto da estátua do Marquês. Terá valido a pena?
Oxalá, meu caro José, possamos dentro em pouco, conhecer uma nova arquitetura social em que o dinheiro se sujeite à justiça, à dignidade das pessoas, à economia e ao bem-estar.
É difícil, mas não é impossível.
Um abraço sela a nossa amizade. Até para o ano.

 

 


Queremos ouvir a sua opinião, sugestões ou dúvidas:

info@adiaspora.com

 

  Voltar para Crónicas e Artigos

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007